quinta-feira, 1 de março de 2012

ANÁLISE DE ACIDENTES: O FIM DA CAT?

ANÁLISE DE ACIDENTES: O FIM DA CAT?


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A CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), criada por lei em 1967 obriga à notificação obrigatória de um acidente ou doença do trabalho de trabalhadores com carteira assinada, assim como os médicos precisam notificar à saúde pública em caso de atendimento de algumas doenças infecciosas como meningite, hanseniase ou tuberculose.
Para a Previdencia Social as informações da CAT seriam importantes, não apenas do ponto de vista previdenciário, trabalhista e social, mas sobretudo pela sua importância estatística e epidemiológica, como ocorre na saúde pública com aquelas doenças de notificação compulsória. Ou seja, a CAT seria um instrumento válido para projetar estatísticas de doenças e acidentes do trabalho em populações de trabalhadores bem como para avaliar políticas públicas em segurança e saúde no trabalho.
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COBERTURA DA CAT

O problema é que o preenchimento da CAT se restringe a uma parcela dos empregados “celetistas”, isto é, trabalhadores com registro em carteira de trabalho, o que, segundo diversos estudos, corresponde a cerca de 50,0% da força de trabalho atuando no mercado formal no Brasil. O fluxo desse documento até seu registro no INSS depende, em grande parte, de ato voluntário de sua emissão pelo empregador; do preenchimento do atestado médico contido no item II da CAT, pelo médico que atendeu o acidentado; e do seu encaminhamento à agência do INSS da área de ocorrência do acidente.
Em tais circunstâncias, associadas à quase inexistência de fiscalização, estima-se que a CAT seja emitida para, somente, cerca de 20,0% dos trabalhadores celetistas acidentados. Ainda que este documento fosse preenchido na totalidade dos casos legalmente previstos, a falta de informações sobre a ocorrência de acidentes do trabalho no setor formal da economia seria significativa. Para o INSS a obrigatoriedade de emissão de CAT não se aplica a funcionários públicos civis e militares estatutários, trabalhadores previdenciários autônomos, empregados domésticos, garimpeiros, pescadores, proprietários, empresários, produtores rurais e religiosos. Estima-se que para cada 10 acidentes do trabalho ocorridos, apenas 1 é notificado no Brasil.
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ESTUDOS BASEADOS EM CAT

Mesmo assim, valendo-se de dados da CAT, muitos Estudos foram feitos em diferentes locais do país no sentido de investigar o acidente e a doença do trabalho. Esses estudos projetaram que, desde 1970, mais de 30 milhões de acidentes foram notificados, provocando mais de 100 mil óbitos evitáveis entre brasileiros jovens e produtivos.
Houve então um bom período de empolgação, em que, de fato, os resultados desses estudos confirmaram as hipóteses óbvias (os acidentes ocorrem mais em trabalhadores desqualificados, sob excesso de jornada, de menor escolaridade, de baixa renda, de turnos irregulares, etc.), projetando um claro perfil das relações de trabalho precárias no país, de baixos salários, de trabalhadores desqualificação e de negligência dos empregadores.
Mesmo assim, começou a observar-se que nos diversos estudos comparativos demonstrava-se aparentemente que os acidentes estavam diminuindo, desde a década de 70, logo após o aparecimento das NRs (em 1978) e pelo Estado ter ratificado algumas convenções da OIT em SST. Porisso, louvavam-se as políticas públicas de prevenção em SST.
DADOS NÃO CONFIÁVEIS
images-4Entretanto, muitos profissionais e acadêmicos desconfiavam da validade desses estudos baseados em CAT quando começou a ser considerado o fenômeno da subnotificação do acidente. Ou seja, muitos trabalhadores se acidentavam, mas as empresas não comunicavam à previdência, principalmente porque esses trabalhadores, que eram maioria no mercado de trabalho, não tinham carteira assinada. A subnotificação aumentou ainda mais com a flexibilização das leis trabalhistas na década de 90 e o crescimento do mercado de trabalho informal, além da substituição de trabalhadores por tecnologia, e assim a maior parte dos acidentes foi progressivamente escapando daquele controle epidemiológico imaginado pelo INSS.
CONTRADIÇÕES
As análises comparativas de séries históricas de CAT, refletiam uma situação artificial: para os registros do INSS as coisas iam muito bem e creditava-se essa redução de acidentes à eficiência das ações governamentais. Mas para os registros dos hospitais, pronto socorros, IMLs e cemitérios do país, era justamente o contrário, aumentava o número de registro de trabalhadores acidentados, mutilados, mortos e enterrados em acidentes, alem do aumento de uma população de doentes crônicos e intoxicados que acabava nas malhas da saúde pública para tratamento e reabilitação. A previdência diz uma coisa mas a saúde pública mostra outra.
Em trabalho realizado por técnicos do Ministério da Saúde observou-se cerca de 43,2% de subnotificação, isto é, apenas 56,8% dos óbitos registrados como decorrentes de acidentes de trabalho haviam sido notificados por CAT.
Em Estudo realizado pelo Departamento de Medicina Social FCM Santa Casa São Paulo constatou-se que, considerado o conjunto da população economicamente ativa, a subnotificação de acidentes de trabalho atinge a cifra de 71,1%.
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PERÍCIAS

Outro fenômeno começou a evoluir de forma silenciosa para o aumento do custo desses acidentes no país e se originava de um comportamento que foi se tornando generalizado: um grande número de trabalhadores, quando começava a receber benefício do INSS, acomodava-se e é claro, não queria voltar mais pra trabalhar. Aumentavam os sintomas subjetivos da “doença” na hora da perícia e houve até casos de automutilação de trabalhadores para evitar o “desmame” do “benefício”. Ou seja, ficar em casa, mesmo recebendo um valor menor, daquele benefício que representava uma espécie de “bolsa-acidente” era melhor do que voltar para trabalhar sob condições insalubres, perigosas, sob excesso de jornada e com baixos salários.
Por outro lado, a recente exigência de estabilidade em caso de acidente de trabalho representou um aumento do custo da demissão resultando em uma maior preocupação das empresas com segurança, mas a repercussão desse fato continuava restrito aos trabalhadores com carteira assinada.
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O FIM DA CAT?

A partir da constatação de que a CAT não mais representava um instrumento válido para aferição de estatísticas de acidentes, vários estudiosos começaram a buscar outras referências principalmente os registros de acidente de trajeto, que se tornou um importante referência nesse contexto. E isso por um motivo simples: os acidentados vão para os hospitais e pronto-socorros muitas vezes sem CAT. As informações do acidente de trajeto, sem os vieses da CAT, se tornam assim muito mais transparentes para avaliar o perfil do trabalhador acidentado. Além disso, sugere-se que esse crescimento dos acidentes de trajeto ocorreu porque são mais fáceis de serem notificados, durante o atendimento nos hospitais, não havendo risco de a empresa deixar de notificar o acidente.
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OS ACIDENTES DE TRAJETO

Recentemente, a gravidade do problema ficou mais claro com a divulgação pela Previdência Social de dados sobre o aumento de acidentes de trajeto em cerca de 37% entre 2009 e 2011, fato que gerou uma despesa de mais de 1 bilhão de reais.
Esse percentual, por sinal, é muito semelhante ao percentual de aumento de acidentes na construção civil (27% desde 2006.) Este assunto foi abordado neste Blog no link a seguir, a respeito da nova NR-36 (Trabalho em Altura) e mencionando estudos sobre os problemas do PCMAT na NR 18 - acesse e avalie: http://nrfacil.com.br/blog/?p=2914
Ou seja, as ações governamentais como aumento de NRs, e de centros de vigilância do trabalhador não estão conseguindo reverter esses números preocupantes.
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NOVAS REFERÊNCIAS: CORRELAÇÃO ACIDENTES X PIB

Em Estudo publicado na Internet, cobrindo estatística de acidentes durante 20 anos, a partir de 1970, Victor Wünsch Filho, do Departamento de Epidemiologia da Univ de São Paulo verificou que os acidentes, inclusive de trajeto, relacionam-se muito mais a indicadores econômicos do que mesmo por causa de ações governamentais de prevenção. Um outro Estudo, utilizando outra abordagem e cobrindo vários Estados do país, chegou a conclusões semelhantes, apontando, inclusive, uma correlação entre aumento de acidentes e um índice elevado de IDH. Ou seja, quando mais desenvolvida é a região, mais acidentes acontecem.

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UM MODELO DE VIGILÂNCIA
PARA NOTIFICAR ACIDENTES

Em Estudo da Rev Saúde Púlica (vol 24, Ago 1990), diversos técnicos, entre eles Ubiratan Santos e Victor Wunsch, verificaram que no Brasil, e em São Paulo em particular, o sistema de vigilância epidemiológica restringe-se a algumas doenças transmissíveis, não havendo, na prática, vigilância referente a doenças não transmissíveis, especialmente às decorrentes do trabalho. O atual sistema de informações para acidentes e doenças do trabalho tem sido utilizado mais para o processamento de benefícios aos acidentados e acometidos por doenças do trabalho, do que para a proposta de um sistema de vigilância. Os autores utilizaram um modelo proposto na Austrália que tem como fonte de dados os atendimentos realizados nos pronto-socorros.
Em Estudo tambem publicado na Rev Saúde Publica (vol 19, 2003), alguns técnicos, entre eles Paulo Sérgio A Conceição e Itatyane Bispo, utilizaram a mesma metodologia em um Pronto Socorro de Curitiba, com 170 acidentes de trabalho. Desses, a proporção de trabalhadores celetistas foi de 58,8% e o Hospital deixou de solicitar à empresa o registro do acidente em mais de 30% dos casos. Somando-se aos demais trabalhadores não cobertos por esse registro, conclui que a CAT não é um bom instrumento para fins de estudos epidemiológicos. Os autores concluem que as emergências podem ser importante fonte de informação dos acidentes de trabalho, de baixo custo e de simples obtenção. A implantação da vigilância desses eventos nesses locais, será um passo importante para conhecer melhor a realidade de acidentes de trabalho no conjunto dos trabalhadores, ainda que seja necessário o desenvolvimento de pesquisas epidemiológicas para complementação desses resultados.
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SIVAT EM ACIDENTES DE TRABALHO

Em Trabalho publicado no Cad Saúde Pública (vol 21, 2005, RJ), Ricardo Cordeiro e Rodolfo Andrade, entre outros, propuseram em Piracicaba, São Paulo, um sistema de Vigilância similar, situando a notificação de acidentes do trabalho dentro dos serviços de urgência e emergência do SUS, considerando que cerca de 80,0% dos trabalhadores acidentados recebem primeiros socorros nos serviços públicos de atendimento de urgência. Estes serviços, acrescidos pelos privados, são o local estratégico escolhido para aninhar o SIVAT-Piracicaba. Esta é uma característica que diferencia este sistema do Sistema CAT, maior banco de dados sobre acidentes do trabalho no Brasil, cujo núcleo de informação situa-se no INSS. (Obs.: não sabemos como está funcionando esse Sistema e se algum colega souber de alguma coisa, envie para publicarmos).
O Estudo de Piracicaba é bastante interessante, pois baseava-se em um sistema semelhante implantado nos Estados Unidos pelo National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH) ao final dos anos 80. Trata-se do Sentinel Event Notification System for Occupational Risks – SENSOR, criado em 1987 em um projeto piloto envolvendo dez estados desse país. Consiste essencialmente do registro sistemático de determinadas ocorrências com base nos locais de atendimento (hospitais, clínicas), que notificam os casos para os serviços públicos de vigilância. Após a análise desses registros, é desencadeada uma ação visando ao acompanhamento dos casos e intervenções nos ambientes de trabalho, de modo a prevenir a ocorrência de novos eventos. Segundo os responsáveis pelo projeto, as ações constituem o núcleo do conceito proposto pelo sistema de vigilância SENSOR.



fonte NRFACIL.



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